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[Análise] Monument Valley

É tudo uma questão de perspectiva.

Originalmente publicado em 03/08/2014

Os trabalhos gráficos realizados por Maurist Cornelis Escher são carregados de ideias interessantes, ele aborda, de diversas maneiras, conceitos de impossibilidade utilizando técnicas matemáticas. O resultado são obras que vão de tesselações, desenhos até xilogravuras.

Seu trabalho é “ambientado” em um mundo impossível onde constantemente tenta desafiar a percepção humana com escadarias infinitas, ilusões de ótica, perspectiva forçada e construções onde leis da gravidade não se aplicam.

Não só visualmente interessantes, mas os projetos de Escher são representações arquitetônicas bem construídas, gerando uma curiosidade em como foram concebidas já que são tão reais e irreais ao mesmo tempo. São verdadeiras aulas de projeto arquitetônico e por quê não, level design.

É possível aprender um pouco não só com uma obra isolada, mas com os conceitos de perspectiva e elaboração de estruturas abordadas pelo desenhista holandês. Entendendo o significado da temática encontrada em suas gravuras, poderemos aplicá-la de maneira interessante.

Oscar Reutersvärd, artista gráfico sueco, “pai da figura impossível” é um bom exemplo dessa transição de um conceito das artes gráficas para um jogo eletrônico. Seus trabalhos envolvem figuras bidimensionais que são instantaneamente e inconscientemente interpretadas pelo sistema visual como um objeto tridimensional, resultando em um objeto que não pode existir. Impossível.

Echochrome (Sony Japan Studio, 2008) consiste em mundo de construções impossíveis inspiradas nas obras de Reutersvärd e conceitualmente inspirado na obra mais utilizada pela cultura pop de Escher, Relatividade.

Utiliza-se do OLE Coordinated System, tecnologia criada pelo designer Jun Fujiki onde as restrições de movimentos do personagem são definidas tanto pelo espaço 3D em que se encontra como pela posição da câmera. Com esse sistema, foi possível estabelecer cinco leis de perspectiva envolvendo os conceitos de objetos impossíveis.

Com uma estética minimalista, é de se admirar o empenho dado ao desenho das fases trazendo um novo frescor aos conceitos explorados tanto por Oscar como Escher. Embora não tenha tido um sucesso estrondoso, nos traz essa forma inusitada de abordar a arte por viés de game design.

Mesmo possuindo um sistema para torna o impossível, possível, vejo que Echochrome é comedido e não vai além das ideias exploradas por Escher. É uma experiência baseada puramente no quadro mais famoso dele. Depois de várias sessões mesmo possuindo construções diferentes, a ideia gera fatiga.

Monument Valley (Ustwo, 2014) é um excelente contraponto a esse cansaço. Ele não tem medo de dizer que foi inspirado por M.C. Escher e resolve mostrar uma visão colorida e vibrante da temática explorada pelas obras do artista como um todo.

É inegável a inspiração, seja consciente ou inconsciente, do jogo minimalista japonês. A mecânica principal de mudar a perspectiva através da câmera para que um caminho seja revelado tem um novo significado aqui, uma vez que foi desenvolvido para a interface de toque do iOS (iPad, iPhone e iPod Touch). Controlar a câmera, por sua vez escolher a perspectiva em que quer ver o cenário, adiciona em muito para a diversidade do level design.

Essencialmente não é um jogo muito desafiador e penso que esse não era objetivo desde o começo. No princípio você vai precisar dedicar um certo tempo para pensar como solucionar um puzzle, mas não é nada demorado e sofrível. Excluindo a décima e última fase, como um todo possui uma dificuldade mínima.

Isso é compreensível. Confirmando o que um dos criadores disse, cada uma das dez fases é uma obra completa por si só. São interpretações modernistas dos conceitos de estruturas criadas pelo Escher, prestando também homenagens em determinadas seções.

Cada fase constitui em uma estrutura, um monumento, algo único e no decorrer da jornada são pequenos monumentos que se interligam. O seu charme é nos surpreender a cada passo dado, somos motivados a progredir apenas para saber como o fator surpresa, sendo construções únicas a sua motivação para progressão é ser surpreendido em como elas serão desdobradas e contorcidas para que Ida, personagem em que controla, siga adiante.

Monument Valley pertence a uma pequena parcela de jogos que entendem a plataforma em que estão inseridos. Só aproveitamos muito bem esse universo colorido de figuras impossíveis pela maneira que interagimos com ele. Nós, em certa parte, contribuímos para a constante transformação desses pequenos cenários.

Ele foi pensado para estarmos constantemente tocando a tela e é isso que torna possível jogar um quadro de M.C. Escher e encontrar as figuras de Oscar Reutersvard.

Não poderia aplaudir menos a maneira em que abordaram isso e me faz querer estudar mais afundo grandes artistas que apresentaram ideias que até hoje são impressionantes e, quem sabe, conseguir uma forma de transpor isso para mídias digitais.

Arte é isso aí.

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